sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Ressuscitem a Norma


Quarta de manhã. O dia começa como sempre às 8h numa pequena cidade da Alemanha. Enquanto escova os dentes, despeja a água quente no coador. Aos poucos o café pinga na garrafa térmica azul de listrinhas. Ela corre ao banheiro e termina sua limpeza bucal no local adequado. Tudo transcorre normalmente. Café preto, torradas com geleia e iogurte. O marido sai atrasado, o barulho do trem partindo entra pelas janelas abertas do apartamento. A casa está em silêncio, ela liga o computador. Alguns minutos para carregar - iTunes, iFotos, caixa de e-mail -, esse HD externo deixou o Mac com a mesma velocidade de um PC-XT. Impaciência. Troca de roupa, penteia os cabelos e volta para sua mesa. Caixa de entrada atolada. Devem ser as fotos de divulgação pedidas no dia anterior. Espera... Espera... Abre o Firefox. Checagem matinal do Facebook. Mural de um amigo: “quem matou a Norma”. Deve ser “piada interna”, pensa. Não, impossível, 875 pessoas “curtiram” a página oficial da pergunta. Mural do segundo colega: “o assassino da juíza armou agora uma emboscada para Norma”. Mural do terceiro conhecido: “plano bem-feito”.
Preocupa-se. Jornalista não pode estar por fora de nada. Nunca mais arrumará outro emprego formal desse jeito. Só pode ser uma ministra da Dilma. Mais um caiu! Outro caso de corrupção. Talvez trate-se de alguma garota universitária, seqüestrada e estrangulada pelo ladrão impaciente. “Que matou a Norma?”. Também pode ser um novo romance policial na lista dos mais vendidos. Queima de arquivo? Existe alguma CPI da Norma que ela nunca tomou conhecimento? Paranóia. Hesitou. Solução rápida e eficaz. Por que não perguntar no Twitter quem é a “dita cuja”? Não! Definitivamente não! Pode queimar o filme. E se ela for a  substituta da Fátima Bernardes? Abriu então o Twitter. Conversa entre mãe e filho.
-       @filho: filho, quem matou a norma?
-       @mãe: sei lá eu, mãe.
-       @filho: moleque, você passa o dia na internet e ainda não descobriu isso!
Desculpa-se com sua própria consciência pela intromissão na intimidade do lar alheio, ela sempre respeitara as normas dos bons costumes, mas era um caso de extrema urgência. De volta a pesquisa. Checa as twittadas de quem matou a Norma: “não interessa para você, palhaço” (termômetro da irritação na casa dos 80%); “o que ficou para a Jandira” (agora colocaram um terceiro na jogada!) e “quem matou a norma culta?”. Chega a vez do You Tube. Nessa altura do campeonato, ela estava convicta. A Norma era mais uma morena que andava de Cross Fox amarelo, aparecia no Luciano Huck e postava vídeos próprios deitada sobre uma banheira cheia de pétalas de rosas, enquanto passava mel sobre o corpo! Crime passional? Absolutaaaaaa....  
Hipótese descartada. Quem aparece à La Bin Laden em vídeo secreto é um garoto metido a sambista. “Tudo isso me apavora, estão dizendo aí que eu matei a Norma” (...) “Estava em casa numa boa e veio uns mano aí perguntar se eu matei a tal coroa”. Dez mil pessoas assistiram à declaração terrorista. Só ela tinha pegado o trem assim tão atrasada. E-mails baixados. Chegaram as benditas fotos! Nenhuma notícia do Brasil, ainda era muito cedo por lá. Só alguns amigos com insônia que de vez em quando mandam notícias. Dessa vez, nem eles. Só e-mails @gmx.de. Um de uma amiga, que acabara de se mudar para a Conakry, capital da Guinea. Será que ela sabe quem é a tal Norma? E se não existir Globo Internacional na África?
Enquanto Adorno revira-se na tumba, algum médium começará em breve a psicografar pistas sobre o assassino. Devaneios. Ficção x Realidade. Um brinde às normas do mundo moderno! Enfim, mistério descoberto. Coração partido. Norma é uma ficção. 8h33. Agora a tranqüila protagonista começara de fato a trabalhar. Invadida pela aconchegante sensação de que poderia voltar sem problemas para a terra natal e conversar com as pessoas no balcão da padaria, salão de beleza ou na fila do supermercado. Um brinde a verdadeira, mesmo que ficcional, Norma. 

sábado, 13 de agosto de 2011

Muro de Berlim: alemães lembram os 50 anos da construção da barreira

Meio século atrás, durante a madrugada do dia 12 para 13 de agosto de 1961, policiais e soldados da antiga RDA (República Democrática Alemã) bloquearam as fronteiras entre Berlim Ocidental e Oriental com cercas de arame farpado. Começava a construção do Muro de Berlim, de 160 quilômetros, que dividiu a capital por 28 anos. Desde a criação da RDA, em 1949, até o bloqueio oficial das fronteiras, 2.686.942 pessoas fugiram para Berlim Ocidental. Após o início da construção do muro, outras 51.624 partiram. 

Schirner Pressebild-Agentur 
Construção do muro no setor fronteiriço Linden- Ecke Zimmerstraße (18/08/1961)

Para relembrar o episódio, dezenas de exposições, festivais, apresentações, filmes e debates temáticos tomam conta da capital alemã no mês de agosto, em uma parceria das organizações Stiftung Berliner Mauer e Landesgesellschaft Kulturprojekte Berlin GmbH. Os 24 painéis com imagens em preto e branco do Muro de Berlim, por exemplo, espalhados em 19 pontos do centro da capital alemã, até 28 de agosto, não passaram despercebidos pelos moradores e visitantes da cidade. 

“Queremos pensar nas vítimas e lembrar daqueles que carregam a responsabilidade pelas mortes. Ao mesmo tempo recordamos o forte sentimento de pertencimento entre os berlinenses, mantido mesmo durante a separação”, disse o prefeito de Berlim Klaus Wowereit, durante a vernissage em 15 de junho. A data para a abertura da mostra a céu aberto não foi coincidência. 

Jürgen Homuth/Stiftung Berliner Mauer
Exposição externa do Memorial do Muro de Berlin, onde antigamente passava a barreira 

Praticamente todos os bairros da cidade têm algo a oferecer. O memorial de refugiados Marienfeld, no bairro de Tempelhof-Schöneberg, inaugurou a exposição “Desaparecidos e Esquecidos. Campos de Refugiados em Berlim Ocidental”. Em cartaz até 30 de dezembro, a exibição retrata como funcionava os mais de 80 campos de refugiados, a vida dessas pessoas e a Berlim do pós-guerra. Na antiga torre de controle chamada Schlesischer Busch, exatamente na fronteira entre os bairros de Kreuzberg e Treptow, uma coleção de imagens mostra, somente nos dias 13 e 14 de agosto, fatos históricos anteriores e posteriores ao muro. 

Já o Museu de História da Alemanha, no centro de Berlim, expande a temática para o continente dividido e mantém em cartaz até 03 de outubro o trabalho dos fotojornalistas alemães Thomas Hoepker e Daniel Biskup, com retratos desde a construção do muro até o fim do socialismo real. São 280 fotografias reunidas sobre o título “Sobre a Vida” (Über Leben, em um jogo de palavras com überleben, isto é, sobreviver). Hoepker, que nasceu em Munique, em 1936, retrata o estilo de vida da RDA de 1959 a 1991. 

Thomas Hoepker 
Criança no muro de Berlim, Berlim Ocidental (1963). Na placa: "vá embora, setor soviético" 

Em contraposição, Biskup, nascido em Bonn, em 1962, clicou os momentos de ruptura social não só na Alemanha Oriental, mas também na União Soviética e na antiga Iugoslávia. Ainda com a data em mente, o museu desenvolveu uma segunda exposição especial. Há 20 anos, a curadoria reúne e coleciona fotos da história e dos hábitos de vida no país. Cerca de 250 imagens dos últimos anos do século XIX até o fim da RDA em 1990 estão expostas de modo cronológico, intituladas como “O Século XX – Pessoas, Lugares, Tempo”. Hoje, a entrada será gratuita para ambas exposições. 

Exatamente na mesma data, a cidade de Berlim, acompanhada do prefeito Wowereit, se reunirá das 10h às 19h em torno do Memorial do Muro de Berlim, na Bernauerstraße, na divisa entre Mitte e Wedding, para diversas atividades. O espaço que tradicionalmente exibe fotos e uma vasta gama de documentos sobre o Muro de Berlim, ampliará a área externa de exposições. 

Grenzläufte e.V. 
Antiga Torre de Controle Schlesischer Busch, em Berlim 

Para aqueles que desejam entender como era viver em uma cidade dividida, as artistas Tamiko Thiel e Teresa Reuter fizeram uma reconstrução virtual de parte da barreira de concreto. Por meio de técnicas de realidade virtual como simulação, animação, viagem no tempo e interação, visitantes podem curtir a criação até 28 de agosto, no espaço de artes Bethanien, em Kreuzberg.  Outro projeto das artes visuais é o Cinema de Fronteira de Berlim, que exibirá filmes com essa temática em diversos pontos da cidade. O cinema de fronteiras trazia para as telas problemas como as fugas berlinenses, a vida no pós-guerra, assim como a propaganda da Guerra Fria, mas desapareceu subitamente após a construção do muro e até hoje ainda é pouco difundido. 

Há também uma exposição na Galeria Zero, em Kreuzberg, a partir do dia 13. No acervo, fotos, pôsteres de filmes, trechos de algumas películas e entrevistas. Intitulada como “Vibrações na Cortina de Ferro – A História do Cinema de Fronteiras de Berlim 1950-1961”, a mostra pode ser vista até 13 de setembro. De 02 a 09 de setembro, o cinema Arsenal, na Potsdamer Platz exibirá filmes do gênero. Na lista constam títulos como No Ocidente nada Novo, Um Romance de Berlim e Ela dançou somente um verão. 

Regina Cazzamatta para Opera Mundi: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticia/MURO+DE+BERLIM+ALEMAES+LEMBRAM+OS+50+ANOS+DA+CONSTRUCAO+DA+BARREIRA_14207