segunda-feira, 30 de julho de 2012

Lago da Constança ou Bodensee: o terceiro maior lago europeu entre Alemanha, Áustria e Suíça

Lago de Constança

Como curtir o verão em águas alemãs, suíças e austríacas.

(Texto originalmente publicado na revista Viaje Mais! Jul. 2012)

Tour de barco, atividades náuticas e festivais agitam as cidades às margens do terceiro maior lago europeu, onde não faltam castelos e igrejas medievais, jardins exuberantes e até voos de zepelim

Algumas pessoas lêem jornais e livros a bordo de pequenos barcos ou lanchas estacionados na beira de um lago. Águas que também são um point para pais e filhos, que se divertem nos pedalinhos. Turistas e moradores, sem que se possa definir direito quem é quem, tomam sol juntos, entre as árvores, enquanto crianças correm pelos canteiros floridos. É um típico dia de verão às margens do Lago de Constança (Bodensee, em alemão), o terceiro maior da Europa e compartilhado por Suíça, Alemanha e Áustria. A paisagem da região, no entanto, é ainda mais primorosa do que esse agradável panorama faz supor: ao fundo, ela se completa com os Alpes, cujos picos, que permanecem brancos de neve mesmo no verão, contrastam com os coloridos barcos a vela. 
O complemento perfeito para esses aguardados dias de sol e curtição nas águas do Constança é se sentar, ao entardecer, à mesa dos cafés e restaurantes às margens. Os estabelecimentos ficam lotados de pessoas que apreciam o lago enquanto bebericam vinho, cerveja e o popular drinque Aperol Sprizz, feito com prosecco, soda e Aperol, bebida de origem italiana cujo gosto lembra o do Campari. É mais ou menos assim o fim do dia em qualquer cidade à beira deste lago cortado pelo Reno, que, alem do terceiro maior do Velho Continente, ainda ostenta outros superlativos: ele também é o maior lago da Alemanha e dono da maior fonte de água potável da Europa Central. Dos seus 273 Km de margem, 72 km pertencem à Suíça (ao Cantão de Thurgau), 28 km à Áustria (ao Estado de Vorarlberg) e 173 km à Alemanha (Baviera e Baden-Württember).
Por conta da proximidade, dá para tomar café da manhã em um país e almoçar em outro. Há também quem faça todo o percurso de bicicleta, mas para quem não está assim tão em forma, o “pulo” de cidade em cidade de barco ou trem. Sem contar as 425 opções de excursões reunidas no site oficial da região (bodensee.eu). Há atrações para todos os tipos de turistas, como trilhas, esportes aquáticos, spas, passeios de barco e visitas a graciosas cidadelas e igrejas medievais. Para os mais corajosos e abastados, há voos a bordo de um zepelim, que descortina a região do Bodensee a partir do porto de Friedrichshafen. Dependendo do tempo do tour e da região a ser sobrevoada, é preciso desembolsar de € 200 a € 745 euros por pessoa.

Konstanz, o ponto de partida
Um roteiro que dá uma boa mostra dos encantos das redondezas inclui passeios pelas ilhas e províncias no entorno da cidade alemã de Konstanz, centro econômico e cultural da região, com 82 mil habitantes. No porto, dentro da água destaca-se, desde 1993, uma estátua relativamente sensual de 9 metros de altura e 18 toneladas. É a escultura de uma meretriz, Impéria, imortalizada no conto A Bela Impéria, de Honoré de Balzac, publicado no século 19. Por mais inusitado que pareça, a obra é uma homenagem às prostitutas que viveram de 1414 a 1418, durante o concílio que resolveu um longo cisma da Igreja Católica no Ocidente.
Esse trabalho do artista Peter Lenk causou polêmica entre religiosos e conservadores, já que em uma das mãos da voluptuosa moça está o imperador alemão e na outra, o papa.  A estrutura se movimenta e, em três minutos, dá uma volta completa em torno de si, permitindo que ela seja perfeitamente avistada não só das margens, mas também do lago.
Como ter habilitação para pilotar barcos é privilégio de poucos, aposte no aluguel de um pedalinho para conferir a vista da cidade vizinha Kreuzlingen, já na Suíça. Mesmo se tratando de um transporte simples, o instrutor dá uma série de avisos: “Não vá para a esquerda por causa da corrente do Reno, não entre no porto e cuidado com os barcos grandes”, explica. Um adesivo a bordo também ensina algumas medidas de segurança. Por exemplo: se o farol emitir luzes laranjas, que piscam intermitantemente, volte rápido para às margens, pois lá vem tempestade. Mas normalmente não há com que se preocupar, pois perigos como chuva e ventania são típicos do inverno. No verão, o lago, assim como o ânimo das pessoas, que, independentemente da idade, aproveitam ao máximo de calor fazendo piqueniques, circulando de barco e se jogando nas atividades oferecidas ao ar livre. Um clima bem diferente do inverno por essas bandas. Ali na vizinhanças do porto, ficam o Memorial Zepelim, em homenagem a Ferdinand Von Zeppelin (1838-1917), o inventor da engenhoca voadora, que nasceu em Konstanz, e o Concert Hall. Essa casa de espetáculos ocupa a área onde já existia a Konzilgebäude (edificação do concílio, em alemão), onde, 1m 1388, Martinho V foi nomeado papa. 
Tudo bem que no verão todo mundo só quer aproveitar a vida à beira do lago, mas dar uma andada pelo centro histórico – que abriga a Catedral Munster, na praça homônima, cercada de restaurantes e cafés, - é imprescindível, já que Konstanz é uma cidade relativamente atípica na Alemanha. É que grande parte de seu centro histórico é original, pois, por ficar colada à neutra vizinha Suíça, a cidade passou pela Segunda Guerra Mundial ilesa aos bombardeios. 
 De fato, a fronteira entre a alemã Konstanz e a suíça Kreuzlingen é praticamente imperceptível – daí que seria impossível bombardear uma sem atingir a outra. E se não fosse pelas formalidades típicas de fronteira, as duas cidades seriam uma só. Há apenas uma passagem que separa um lado do outro, com algumas placas apontando as regras alfandegárias, mas muitas vezes nenhum funcionário está presente para checar os documentos. É tudo tão junto e misturado que, mesmo de barco, o visitante pode precisar de um mapa ou procurar por uma bandeira hasteada para identificar a qual pais pertence a cidade que está vendo ou atracando.


Lado Suíço do Lago
         Em Kreuzlingen, a borda do Constança é uma espécie de parque, com playgrounds, pássaros e uma vasta vegetação. Há também uma torre de madeira com vista para a cidade e para Konstanz. Os olhos param quando se observa a parte norte da costa, que exibe um suntuoso burgo, de 1598. Completamente destruída durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), a edificação foi reformada com o estilo próprio do século 19 e, atualmente, abriga um centro didático e um restaurante.
No entorno do belo conjunto, adornando por fontes e gramados, há jardins e hortas onde são cultivados temperos, e cada plantinha, por menor que seja, tem uma placa com a devida descrição. Se enjoar da paisagem idílica, siga para a lagoa de sapos, bem em frente ao castelo. Dá para escutá-los coaxando – e, por meio de cartazes, aprender sobre as diferentes espécies – enquanto se passeia sobre as pontes de madeira sobre as águas. Parece peculiar, mas cai bem com a atmosfera com jeito de antigamente do lugar, que fica ainda mais bucólico com a companhia das inúmeras margaridinhas amarelas espalhadas pelos campos.

Para Lá e Para Cá de Barco
          Com a dose de calmaria já experimentada, é hora de começar a perambular por mais cidades e atrações do lago. Não importa se a partir da porção suíça ou alemã, um passeio com a Weiße Flotte (Frota Branca) é praticamente imperdível. A empresa suíça, alemã e austríaca reúne pelo menos 31 barcos de passageiros que ligam todas as cidades da região e transportam por ano 4,5 milhões de pessoas. Alem do transporte aquático propiciar um panorama muito mais bonito do que quando a viagem é feita de trem, o tour ainda fornece uma melhor noção da geografia do lago, cuja parte oriental é chamada de Obersee. Trata-se da região mais profunda, em que a água alcança 252 metros de profundidade. Já a porção ocidental é a Untersee.
           Se, por um lado, o início do passeio independe do país de origem, por outro, importa bastante em qual lado se decide almoçar ou jantar. Um indicador bastante confiável de que estamos na Suíça (que, apesar de usar moeda própria, o franco suíço, no arredores do Lago de Constança aceita o euro) são os preços bem mais salgados de lá. Esteja em mesas suíças ou alemãs, o fato é que não se deve deixar de provar o peixe felchen (pescada), proveniente do lago. Um bom lugar para isso é o Steg 4 Café-Bar, em frente ao porto de Konstanz. Alem de opções rápidas como pizzas, a casa oferece um pot-pourri de peixes da região, servidos com legumes ou salada verde. Sem contar a carta de sorvetes multicoloridos – o de creme com morangos é uma excelente pedida.
          A degustação da cerveja local, a Ruppaner, também é obrigatória. E, para os mais aficionados pela bebida, vale a pena uma passada na cervejaria Brauhaus Joh. Albrecht (Konradigasse 2). O típico estabelecimento oferece, alem da gelada produção própria, pratos alemães. Nas mesas ao redor, é comum ouvir conversas num alemão de sotaque mais cantarolado, com palavras e pronúncia bem diferentes. São os suíços que aproveitam não só as férias de verão do lado germânico, mas também os preços mais em conta. 


E quando o assunto é turista, a ilha alemã de Mainau, um dos pontos mais populares da região, tem do que se gabar. Todos os anos, passam por lá pelo menos 1,2 milhão de visitantes, que chegam de barco ou de ônibus. Este último – que pode ser usado gratuitamente por quem tem o “certificado de turista”, usualmente distribuído pelos hotéis – deixa o pessoal em terra firma, que precisa atravessar uma ponte de pedestres para alcançar a ilha.
Muitas Flores em Mainau
              Mesmo para quem não é muito fá de jardinagem, Mainau merece ao menos uma rápida visita. O lugar ostenta tantas flores que sua atmosfera não parece real, mas sim um colorido e pitoresco quadro. Na primavera, a paisagem é dominada por tulipas das mais diversas cores; no verão, as rosas roubam a cena. Nessas épocas de floração, o cheiro das plantas se espalham no ar, num ambiente que fica ainda mais encantador por conta da beleza dos Alpes emoldurando o cenário.
Na entrada do formoso jardim, os visitantes são recebidos com um arranjo enorme, que representa uma margarida com “corpo” e “rosto” de gente. Há uma profusão tão grande de flores, que, quando se vê um canteiro vazio, bate uma decepção. Ma isso não fica sem explicação, já que, em alguns pontos, há uma placa que diz assim: “Não pense que nosso jardineiro é desatento. Nosso jardim está sendo cuidado, mas as flores brotam em períodos diferentes”. Outro ponto alto da ilha é a estufa de borboleta, também “recheada” de plantas: são mais de 150 tipos. Vá com uma roupa fresca porque o ambiente reproduz fielmente a umidade e o calor de um ambiente tropical. Ali, as borboletas parecem não se assustar com os turistas nem com as lentes das câmeras, já que continuam voando de lá para cá e até pousam na cabeça de algumas pessoas. “São flores que voam”, disse uma senhora quando uma borboleta estacionou em seu boné. Depois, a mulher e os outros visitantes seguiram para um cano do complexo desprovido de toda beleza presente até então, mas nem por isso menos interessante: o varal de casulos. 
           O castelo de Mainau e sua igreja barroca são os próximos pit stops do roteiro.  Na ala esquerda do palácio ficam os aposentos da família Bernadotte – parentes da família real da Suécia e atuais donos da construção e da ilha – e, na direita, sempre há diversas exposições alem de um café-orquidário. Para os mais vidrados em jardinagem, há detalhes de como as flores são cultivadas e cuidadas. 
Bruxas e Tesouros
       Do porto de Mainau, a boa é seguir de barco para Meersburg, num trajeto que dura cerca de meia hora. Ao se aproximar da cidade alemã, já se avista a principal atração: o burgo que dá nome ao lugar. Após desembarcar, não há como não o encontrar, já que as românticas e estreitas ruelas conduzem direto ao castelo, que propicia uma verdadeira viagem à época medieval. Estima-se que as muralhas estejam lá desde o século 7 e que, a partir de 1.526, a construção tenha se tornado residência oficial do principado de Konstanz. Uma ponte com chão de pedra e grades de madeira conduz os visitantes ao interior do burgo. Antes de começar a circular pelos antiqüíssimos cômodos, porém, tome um café, acompanhado por algum dos diversos bolos caseiros, no Fürstliches Café, que fica junto ao castelo. Embora o salão de estilo barroco seja bem bonito, ele praticamente não é freqüentado por ninguém no verão.
               Bem ao contrário do terraço do castelo, que propicia vista para a cidade e as laterais do burgo e é o lugar mais disputado da construção na alta temporada. A subida até a torre, chamada de Dagobertturm, só pode ser feita na companhia de guias, que lá de cima mostram, pelas quatro janelas, onde está a Suíça, a Áustria e a Alemanha. O tour termina com uma passadinha na câmera de tortura, onde um vídeo exibe a história da perseguição às bruxas na Idade Media. A guia avisa: “Se esse não é seu tema favorito ou te  dá pavor, espere do lado de fora”. Apesar das engenhocas de tortura serem assustadoras, vale saber que elas não pertenciam inicialmente ao burgo.
             Tais equipamentos lá foram colocados depois de 1838, quando a propriedade passou para as mãos de Joseph Von Laßberg, uma importante figura local. Sua riqueza permitiu que ele levasse adiante um hobby: colecionar objetos da Idade Média, incluindo os sinistros aparelhos, entre os quais está uma balança de madeira usada para verificar o peso das bruxas. A ala dos tesouros, onde ficavam os livros sagrados e pinturas está atualmente um pouco vazia. Muitos objetos foram levados após as invasões napoleônicas ou se encontram no Neues Schloss (novo castelo). Esse é um casarão rosa acima do burgo. A vista de seus jardins para o lago e para a própria estrutura monumental de pedras do palácio é maravilhosa. 
            No porto, observe a Coluna Mágica, também do artista Peter Lenk, aquele da controversa obra Impéria, que fica em Konstanz. Na estátua de Meersburg, estão retratados a poetisa Annette Laßberg (irmã do antigo proprietário do castelo local, aquele que colecionava objetos de tortura) e Franz Anton Mesmer, descobridor do “magnetismo animal” ou mesmerismo, que se refere ao estado de uma pessoa a ser magnetizada. A poetisa é representada como uma gaivota, enquanto Mesmer tem um ímã nas mãos e está sobre um círculo no qual seus inimigos estão presos.



Outro Castelo em Mannenbach
         Embora o burgo de Meersburg seja incrível, há quem diga que o castelo mais bonito de todo o Lago de Constança seja o Schloss Arenenberg, no lado suíço. Para concluir se isso é verdade, é preciso ir até o vilarejo de Mannenbach. De Konstanz ou Kreuzlingen, no sentido Untersee, saem barcos para lá. A viagem é um pouco mais longa, cerca de uma hora, o que também se traduz numa excelente oportunidade para contemplar mais belezas à beira do lago.
          Se você for a Mannenbach fora da alta temporada, não se assuste, pois é bem capaz de encontrar poucas pessoas por lá. Em períodos assim, certamente haverá mais vacas e ovelhas nos campos próximos, que chamam tanto a atenção quanto os casarões locais cheios de floreiras na janela. Isso porque os animais, ao se movimentarem, fazem uma bela sinfonia por causa dos sinos que carregam no pescoço. Independente do movimento da cidade, não se perca do objetivo de visitar o castelo, o qual, localizado na parte alta da Mannenbach, propicia vistas magníficas do campo verde e pontuado por ovelhas. Também é vislumbrado lá de cima, mais uma vez, o onipresente lago azul. Por dentro, a construção também impressiona pelas pinturas e pelo classudo mobiliário que ainda conserva. 
            Aproveite a visita para almoçar no bistrô logo ao lado do palácio, que aceita pagamento em euro.     Naquelas cadeiras dispostas ao ar livre, não deixa de experimentar a “cerveja do kaiser”, praticamente impossível de ser encontrada em outra localidade. Se na hora de pegar o barco de volta for preciso esperar algumas horas, aguarde no bar-restaurante do Seehotel Schiff, ao lado do porto, cujas mesas de madeira e cadeiras com almofadas listradas na parte externa são ótimas para descansar as pernas e ocupar os olhos com uma aprazível vista das redondezas. No cardápio, há um menu- degustação de peixes da região (de €50 a €60 por pessoas) e, entre os pratos avulsos, existe uma seleção reduzida de sopas, saladas, tortas e sanduíches.


Como se tudo isso não fosse suficiente para atrair os visitantes, diversas cidades da região promovem grandes festas no verão. A maior e mais famosa é a Seenachtfest, em Konstanz, que em 2012 está marcada para o dia 11 de agosto e é  uma tradição que se repete desde 1949. Usualmente, na noite da comemoração, as portas da universidade e seu museus, filarmônicas e galerias permanecem abertas. Os três quilômetros à beira do lago viram cenário para grupos de teatro, músicos e encenações, e o ponto alto da noite é a queima de fogos, uma das maiores da Europa, sempre acompanhada de muita música. O movimento é intenso e, para driblar a muvuca, dá para assistir ao espetáculo luminosos nos barcos da empresa Weißen Flote. 
À beira do lago ou dentro dele, estando em águas alemãs, austríacas ou suíças, há inúmeras possibilidades para curtir o Bodensee, ou, em bom português, o Constança. Mas, no fim das contas, quem decide como e em que ritmo o versátil lago será desfrutado, especialmente no verão, é você. Pode-se bater perna e se apaixonar pelas cidadelas medievais, ficar com o queixo caído com a exuberância das tulipas e de outras flores, velejar, passear de barco, provar peixes locais,  andar de zepelim... Ou apenas contemplar a plácida paisagem (que até inclui rebanhos de ovelhas e gados) acompanhando o verão passar, o que invariavelmente deixa os moradores e turistas extasiados.

Almanaque

segunda-feira, 23 de julho de 2012

As 100 manias mais peculiares

IStock-Fotos
Outro dia estava numa loja de um museu de arte contemporânea cheia de objetos bacaninhas e diferentes. Mas eis que encontrei o mais tradicional de todos os souvenirs:  uma caixa cheia de lápis. O problema é que eles (todos sem exceção) têm um cheiro delicioso. Não resisti e mesmo em público, tentando ser discreta, comecei a cheirá-los, segurando-os entre o espaço que se forma entre o nariz e a boca quando fazemos um bico! Acrescentei o segundo e o terceiro lápis para intensificar o cheiro, quando senti uma cotovelada. “Que raios você ta fazendo aí”?  Tentei sem sucesso convencer meu marido a fazer o mesmo e colocar o tal lápis entre o nariz. “Ta maluca”?, perguntou ele.  É uma experiência única, tentei argumentar...
Depois disso, dando risada, chegamos a uma lista das coisas mais esquisitas, estranhas, peculiares, sem sentido ou até mesmo sem correlação nenhuma que as pessoas fazem. Quem quiser pode chamar de toque ou paranóia! Manias que recolhemos de amigos, familiares, conhecidos e colegas (que por discrição tiveram seus nomes ocultados!). Tudo muito pior que cheirar objetos por aí. Coisas que nos fazem rir, detalhes da personalidade de cada um, estranhezas que tornam as pessoas únicas e diferentes uma das outras. Amamos todos vocês, tá? 
O post inicial foi feito com 60 manias. Quatro anos depois, consegui chegar às 100 bizarrices. Faz tempo que prometo para um amigo aqui e outro acolá colocar a mania dele/dela na lista! Demorou, mas aqui está. Missão cumprida! :) A lista está organizada só por ordem de lembrança. Mas podem votar na melhor peculiaridade!

terça-feira, 17 de julho de 2012

Acidente da TAM: Voyeurismo do horror


Há exatamente cinco anos, nesta mesma data, eu voltava para casa pela Avenida Washington Luiz. Tinha acabado de mudar de emprego, saíra do antigo “Diário de São Paulo” para trabalhar numa agência de comunicação paulistana. Era uma terça-feira, dia esquisito aliás, 17.07.2007. Sempre gostei de datas assim porque nasci em 03.03.1983 com três quilos e 300 gramas e diz a lenda que minha mãe ficou no terceiro andar no quarto 333. Quando tirei meu RG aos doze anos fiquei contente porque ele acabava na numeração 777-7.

Até o acontecido pelo menos. Como sempre o trânsito estava me tirando do sério. Desliguei o rádio porque estava cansada, sobrecarregada com o excesso de informação visual, buzinas de motoqueiros e com leve dor de cabeça. A música deixara de ser distração e virara tormento. Estava tão perto de casa, mas naquela velocidade até mesmo uma tartaruga chegaria no aconchego do lar antes que eu. Deitei a cabeça no volante. Um avião decolara (pelo menos era o que os meus olhos avermelhados de cansaço viam e me fariam jurar o fato pela memória de todos os meus antepassados). Pensei inocentemente “nossa, que delícia sair de férias assim no meio da semana e fugir dessa cidade caótica, esquizofrênica”. O trânsito seguiu. Acelerei. O avião estava muito baixo, mesmo para minha percepção que não é lá muito aguçada. Estava exausta, mas comecei a temer a altura da aeronave, somente um pouco acima dos carros na avenida. Foi questão de segundos. Coloquei o pé no freio com toda a força que pude.

Fiquei ali por poucos segundos (na minha cabeça pareciam horas). Não vi a aeronave bater no prédio da frente, só uma explosão imensa em direção à cauda do avião. Segurava a direção firme, com o pé no freio e olhos estatelados como se fosse a visão do apocalipse. Abri a porta do carro, quase derrubei um motoqueiro e sai correndo na pista entre os carros na contramão. Corri como todo mundo até faltar o ar. Percebi que tinha largado tudo no carro, chave, carteira, telefone. Tinha medo de voltar, o fogo consumia a aeronave e de tempos em tempo notava-se mais explosões e chamas de fogo. Voltei, estava muito quente lá perto. Peguei o telefone e me distanciei de novo. Tentei ligar para casa.

A ligação não completava. Tentei inúmeras vezes sem sucesso. Então toca meu celular: “Regina, você está tentando me ligar?”, perguntou minha mãe com uma voz tranquila e explicou: “estou desligando na cara de um sujeito, provavelmente do PCC que está ligando aqui desesperado e com respiração ofegante”, disse. “Nesse tipo de trote eu não caio”. Eu juro que não é brincadeira! O que a correlação de fatos de uma cidade de louco não faz! Efeito borboleta paulistano! Ainda não sei como classificar tudo isso: patético, trágico ou esquizofrénico? Continuei parada, impotente no meio da rua vendo tudo queimar lá na frente. Liguei para o namorado que estava de carro em direção a minha casa. Ele tinha felizmente seguido por outro caminho, pela Pedro Bueno, e perguntava incrédulo sem entender uma palavra “o que está pegando fogo?”. Em seguida, emprestei o telefone para uma mulher morena, de cabelos enrolados e estatura baixa que também precisava falar com a família.

Sentia-me mal. A senhora me devolveu o telefone e perguntou “você ouviu as pessoas gritando”? Pergunta de mau gosto! Claro que não ouvi! Aliás, só tenho memória visual, auditiva zero! Não sei como não escutei a explosão. O silêncio para mim era cortante. Muitos olhavam com as mãos no rosto, outros tiravam fotos pelos celulares como se tudo aquilo fosse algum tipo de espetáculo. A Susan Sontag até que tinha lá sua parcela de razão. Será que a constante exibição de fotos de guerra e tragédia nos torna apáticos e blasés? Como agimos “diante da dor dos outros”? É o Voyeurismo do horror?

Meu telefone toca de novo: “é verdade, está passando na TV"”. Como assim? Quer dizer que se não estivesse na televisão, tudo aquilo seria de mentira? O mundo me parecia cada vez mais de ponta cabeça. Fiquei ali por pelo menos duas horas, até a CET conseguir organizar a situação e evacuar a pista pela contramão. As luzes dos carros de bombeiro piscavam sem parar. Esperei todos os veículos saírem. Continuava com medo de buscar meu carro. O guarda da CET dizia, “vamos, vai lá”. Cheguei perto do meu velho golzinho, olhei a faixa de interditado preta e amarela a cem metros de distância do meu corpo, entrei e bati a porta com força. Achei que não fosse conseguir mais dirigir, estava com as pernas trêmulas. Queria ir embora dali. Dei ré, sensação estranha dirigir na contramão da Washington Luiz. Consegui finalmente chegar em casa. O telefone tocava de meia em meia hora.

Fui trabalhar no outro dia. Não segui o conselho da minha mãe de pegar o atalho da Pedro Bueno. Quis enfrentar o medo e segui pelo lado oposto da Washington Luiz. Evitei o olhar, virava a cabeça para a pista do aeroporto, mas o cheiro de ferrugem queimada entrava no carro, mesmo com as janelas fechadas. Estava quase no jardins, a poucas quadras da agência quando passei na preferencial sem olhar. O eixo do carro se quebrou, eu sai inteira, mas de novo, sem saber bem o que tinha acontecido. Nunca toquei muito no assunto, não li os noticiários, nem quis ler a capa da Veja. As pessoas comentavam no trabalho: “vocês viram que triste o casal que voltava da lua de mel?” A máquina digital havia ficado intacta com os bons momentos... Pelas mesmas pessoas descobri que a aeronave não tinha pousado e seja lá por quais motivos (acho que até hoje isso não foi 100% esclarecido) não conseguira brecar. O avião que decolava rumo a algum lugar bonito, para bem longe daquela incansável cidade era coisa da minha cabeça. Os olhos enganam! 

Muita coisa se passou desde então. Li esses dias no jornal que o espaço da tragédia será transformado em uma praça. Fiquei contente, faltam praças na cidade. Aliás, falta uma cidade inteira. Mudei para Alemanha e minha mãe não mora mais naquela casa. Mesmo assim, quando tiver oportunidade de ver o local, acredito que o acharei um pouco menos peculiar agora. 

Obs.: bem de mau gosto esses álbuns de fotos publicados hoje "o acidente da TAM em imagens"! Não? 

domingo, 1 de julho de 2012

Instragram, Facebook, Twitter e tipos de pessoas



Sábado à tarde, crianças brincam no parque, enquanto as mães lêem revistas no banco em frente ao gramado.  A mesma cena é vista por mais pelo menos 500 pessoas que recebem o singelo momento congelado por uma imagem do Instagram nas redes sociais. Ninguém disse que os pais só lêem, eles também registram os momentos especiais para a eternidade. Atire a primeira pedra quem nunca bisbilhotou experiências da vida alheia compartilhadas por essas fotografias! Entardecer em praias paradisíacas, garrafas de prosecco, shows badalados, crianças recém nascidas sob fraldas sujas, casamentos, ultrasom e por aí vai. Intimidades do cotidiano!

 

Enquanto vejo essas cenas rotineiras de cidadãos do século XXI relembro dos quatro tipos de pessoas narrados por Milan Kundera. Todas precisam do olhar alheio e as categorias dependem sob qual tipo de olhar elas querem viver. Hum? Papo de psicólogo xarope, né? Nem tanto! O primeiro caso são aqueles sujeitos que apreciam um número infinito de olhares anônimos. Como exemplo, o autor coloca um jornalista e uma estrela americana. Mas hoje em dia, sem forçar a barra, dá para enquadrar aqui nós blogueiros e até (por que não?) os usuários das redes sociais! A gente nunca sabe quem está lendo as bobagens que escrevemos no nosso mural ou postamos em nosso blog. Se houver compartilhamento melhor ainda, porque assim o público se torna cada vez mais desconhecido! Alguém hoje em dia está fora dessa categoria? Bom, se você estiver, provavelmente não terá como se manifestar porque quiçá terá lido tamanha filosofia de boteco. 

 

No romance, a revista em que o jornalista trabalha é fechada pelo governo comuna e ele não tem mais seu público desconhecido. Saber que ele é constantemente vigiado pelos olhos estranhos da polícia secreta devolve a ela o sentido de viver, o motivo para respirar. “Encontrara na polícia o público perdido”. Nosso público perdido está no Facebook? Zuckerberg nos devolveu a razão para respirarmos? (ta bom, isso foi apelação barata só para dar dramaticidade). A segunda categoria de pessoas são as que precisam dos numerosos olhos da família. Não conseguem viver sem organizar almoços, jantares e coquetéis. Quando esse público não está lá é como se a luz se apagasse na sala de visitas. Depois há os que buscam o olhar do ser amado. Basta o companheiro fechar os olhos, que o parceiro desprezado também sofre com a escuridão. Finalmente, os últimos e até interessantes são os que buscam os olhares imaginários dos ausentes. O exemplo do romance é Franz, um professor universitário que embarca numa missão para o Camboja sempre imaginando que o olhar da pintora Sabina, do outro lado do mundo, pudesse estar ali para testemunhar tal coragem. 

 

Mas quem nunca fez nada pensando no olhar de um ausente? Estou até agora quebrando a cabeça para tentar me encaixar em um dos quatro perfis. Acho que tenho um pé em cada um. Claro, com medidas desproporcionais, dependendo do dia, mas isso não vem ao caso. Vou escolher agora uma foto para colocar no mural do meu face e parar da blá blá blá!