quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

De Londres ao Delta do Mekong


Tower of London
Quartas-feiras são detestáveis. Nem os domingos lhe roubam o título. Aquele dia insonso ensanduichado bem no meio da semana, sem o vigor corajoso da segunda ou a animação geral da sexta. E como qualquer uma dessas manhãs chatas, sentei na minha mesa para mais uma jornada de tarefas.
Resolvi pendengas da tese, transcrevi entrevistas, comecei a preparar um workshop, a finalizar um seminário pra Alemanha. Esses eram os planos pelo menos. Há três dias que não para de nevar em Londres, algo relativamente atípico por aqui. Mas hoje, para contradizer minha teoria sobre a cara de chuchu da quarta-feira, o sol apareceu, por alguns momentos, para dar mais brilho à paisagem monocromática. 

Tower of London

Deixei de lado as tarefas, fui almoçar no centro da cidade e aproveitei para passar na Tower of London e ver o visual das muralhas esbranquiçadas. Depois de oito invernos na Alemanha Oriental, um espirro de neve dado por São Pedro não deveria ser motivo para procrastinar. Mas veja bem, esse visual vestido de noiva não é tão comum assim no Reino Unido. Tanto que foi batizado pela imprensa britânica de “Besta do Leste”. Assim, fui caminhar e buscar inspiração para o mini-curso em preparação. Então está explicado o motivo para a quebra de rotina. O que não está explicado é o porquê deste post sobre o DELTA DO MEKONG estar narrando a previsão do tempo. 

Ironias da vida. Terei que mostrar para alunos em um curso de jornalismo de viagem o que faz um blog (profissional) de sucesso – post concisos, diretos, com listas de serviços, títulos com palavras chaves, regras e mais regras de SEO (Search Engine Optimisation). Algo bem raro por aqui, se alguém já notou. Até faço umas listas de possíveis posts como “dez programas de graça em Londres”, mas sempre prefiro falar sobre a morte da bezerra. Cada um com seu hobby. O meu é irritar o leitor e testar a paciência alheia. Pelo menos sou sincera. Ainda bem que o Google protege os leitores mais pragmáticos!

Agora sim. Sem mais preâmbulos. Juro! Fiz toda essa volta pela cidade, com a cabeça recheada de caraminholas. Voltei para casa, abri a porta, parei no corredor em frente a um mural com fotos pessoais de viagens. Refletia sobre alguns exemplos particulares para ilustrar o curso com casos bem e mal sucedidos de sugestões de pautas, roteiros, apuros, emergências, textos, uso de personagens, diálogos e fotos. Ufa! Mentira, só pensei mesmo num próximo destino! Voltei a preparar as aulas, abri um guia de fotografia de viagens da Lonely Planet, comecei a saltear as imagens com indicações de abertura do diafragma, ISO, exposição e essas coisas todas. Umas das imagens indicava a necessidade de trabalhar com um ISO mais alto. Nesse momento, dei um baita pulo. “Essa senhora está no meu mural”. Peguei o livro nas mãos, fui de novo para o corredor e matutei sobre a coincidência. 
Vilarejo no Delta do Mekong
OK. Uma anciã vietnamita, produtora de papel de arroz, uma personagem extremamente caricata, provavelmente fotografada por milhares de turistas e leitores assíduos do Lonely Planet. Ainda assim. Já havia escrito sobre ela em um outro post sobre descobertas de viagem. Encontrar a mesma vovózinha do meu mural de fotos também num livro especializado não foi a única coincidência entre nós. Eu nunca a teria conhecido se não tivesse ficado doente no Vietnã. Tá aí! Deveria escrever um post sobre como é ir ao médico em Saigon. Fato é que fui proibida de voar por sete dias por causa de uma infecção de ouvido e tive que refazer às pressas todo o roteiro da viagem. Outra excelente dica – nunca decole com sinusite severa e tomando antibióticos. Tanto faz. Fui proibida de decolar, mas não de explorar o país de barco, até o pus que entupia meus tímpanos ser expulso do programa. Assim, cheguei pelo rio a uma minúscula vila no Delta do Mekong e encontrei a antiga moradora. 

A peculiaridade disso tudo é que mesmo sem deixar aquele vilarejo, ela entrou duas vezes na minha casa. Provavelmente também está em outros apartamentos mundo afora. Viajou a sua maneira pelo planeta e me deixou com a sensação de roubar a alma alheia. 

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