segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Londres: Manual de Adaptação

Pisei em 2018 com a promessa de que deixaria Londres finalmente entrar no meu coraçãozinho. Em alguns meses fará um ano que mudei e ainda continuo numa relação de amor e ódio com essa capital britânica. Dá até para embaralhar os posts bem-me-quer e malmequer. Como é possível gostar e detestar tanto alguma coisa? Sentir atração e repulsa ao mesmo tempo? A maluca aqui não sou eu, mas sim essa cidade exageradamente cheia de opções e preços salgados. Isso inclui aluguéis, transportes, baladas e restaurantes.

Depois de uma epopeia burocrática sem tamanho, retornei animadíssima. Não só por dar uma banana pro Immigration Office, mas por voltar pra rotina inglesa. Peguei todos os roteiros dos melhores Pubs da Time Out, matei a saudades das pints, comprei livros sobre a cidade e fui me deixando levar. Revi os amigos, fui ver a exposição das “sufragetes” no museu de Londres (sim, faz 100 anos que deram o direito de voto às mulheres), conheci um bar de coquetéis personalizados no exibidíssimo Chelsea, encontrei ingressos pro show do Jack White. 
E minha lua de mel acabou bem rapidinho ao precisar dos serviços dessa urbe esquizofrênica. Se livre-mercado garantisse bons serviços, isso aqui seria exemplar. Ao chegar em casa depois de quase três meses, notei que o vidro da janela estava trincado. Qual cidade no mundo venta tanto a ponta de lascar a vidraça? O sujeito que veio dar jeito no estrago chegou DUAS horas atrasado. Cancelei esbaforida todos os compromissos da manhã. Nesses momentos, essa mania britânica de perguntar “how are you doing today?” parece ainda mais sacanagem. Pontualidade britânica é outra invenção para inglês ver! Just saying. E como se não bastasse, depois de uma zona e sujeira fenomenal, o lord  da manutenção percebeu que trouxe o pedaço de vidro errado! Foi buscar o certo e me fez cancelar todos os compromisso da tarde. 
Mas foi mesmo ao sair com três alemães no fim de semana que percebi como ainda fico tão emocionalmente dividida. Às vezes, no dia-a-dia da tese, até esqueço que estou na Inglaterra, não fosse pela BBC News na hora do almoço. Parênteses: embora esse papo de Brexit esteja uma fadiga. De volta aos coleguinhas germânicos. Foi tão bom encontrar pessoas que entendam minhas lamentações dramáticas. Metrô lotado, pessoas perguntando “como você está hoje” sem a menor intenção de realmente saber, atrasos infindáveis. Pude expressar minhas saudades da variedade de pães saudáveis, da Rossmann, da DM, da Müller! E o que são esses contratos de alugueis por períodos super curtos? Deu para rabujar  do aquecimento meia boca, do isolamento das casas que não presta, da energia desperdiçada. E ninguém olhou com cara de paisagem! Eles me entendem! Afinal onde foram parar as janelas duplas? E essa mania bizarra de colocar vinagre em tudo, até na batatinha frita? 
Quando estava na Alemanha, me reunia com brasileiros para resmungar das manias germânicas que me tiravam do sério. Agora me alegro de sentar com alemães para esbravejar que esses ingleses não levam cazzo nenhum a sério! Fazia tempo que não via um alemão super bem protegidinho da chuva com casacos a prova d’água da Jack Wolfskin, a bordo de um patinete, contando como se aventurava 45 minutos todos os dias até o trabalho! E o modo de descrever o sabor dos pratos e adivinhar os temperinhos da receita? Ah, Alemanha.
Por fim, joguei a toalha quando me peguei na cama rindo do “Gebrauchsanweisung für London” – um manual de instruções sobre a cidade escrita por um alemão. Ganhei de presente de um amigão florentino-siciliano (o italiano mais alemão que já conheci na vida). Recomendo, mesmo! Apesar da sobrancelha inquisidora do meu marido perguntando sobre que raios eu andava lendo, como se eu fosse caso perdido. Outro parênteses: séries com áudio em alemão estão proibidas aqui em casa.
Mas apesar de tudo, estou me rendendo. Abrirei uma aba “Londres” aqui no blog (já está aí, aliás, olha lá) e sairei a procura de um postal antigo londrino para colocar na coleção de cidades onde já moramos. Isso aqui tem que ser, afinal de contas, uma vasta fonte de peculiaridades pra explorar. Próximo passo é tentar fazer amizade com a senhora do telemarketing que me liga toda semana perguntando sobre um suposto acidente de carro que sofri! Telemarketing educadíssima, como manda a recita da educação britânica. 



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